Do Debate Político à Violência Doméstica: Quando a Raiva se Torna Arma – A Violência Pode Ser Justificada?

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Na noite de ontem, durante um debate acalorado na Rede Cultura, o candidato à prefeitura de São Paulo, Datena, protagonizou uma cena chocante ao arremessar uma cadeira contra seu rival, Pablo Marçal, após uma série de provocações verbais. O episódio rapidamente ganhou as manchetes, mas por trás dessa explosão de raiva está uma questão maior: até que ponto a violência pode ser justificada, seja no palco político ou dentro das quatro paredes de um lar? Ao observar essa situação, é possível traçar um paralelo direto com a dinâmica da violência doméstica, onde provocações, tensões e agressões físicas muitas vezes seguem um ciclo destrutivo. Mas será que a violência, em qualquer contexto, pode realmente encontrar justificativa?

A violência como resposta à provocação


No caso específico do debate entre Datena e Pablo Marçal, o que se observa é uma escalada típica de conflitos onde a provocação verbal leva a uma resposta violenta. Datena, sentindo-se atacado pelas palavras de Marçal, recorreu à agressão física em uma tentativa de resolver a situação. Esse padrão de comportamento não é incomum em ambientes de alta pressão e emoções exacerbadas, mas levanta uma questão crucial: até que ponto a provocação justifica a violência?

De acordo com estudiosos como Johan Galtung, considerado o fundador dos estudos sobre a paz e os conflitos, a violência não é apenas física, mas pode ser estrutural e cultural. A violência estrutural é aquela que se manifesta nas desigualdades e injustiças dentro de uma sociedade, enquanto a violência cultural justifica ou legitima atos de violência com base em crenças ou normas. No contexto de uma disputa política, como no debate entre Datena e Marçal, poderíamos argumentar que as provocações verbais fazem parte da retórica política, e cabe aos candidatos demonstrar autocontrole para não perpetuar uma cultura de violência, mesmo quando provocados.

Essa lógica também pode ser aplicada à violência doméstica. Assim como no debate, muitos episódios de agressão doméstica começam com uma escalada de conflitos verbais que terminam em violência física. Porém, assim como no cenário político, a violência dentro de casa não pode ser justificada pela provocação, já que existem formas mais saudáveis de lidar com o conflito, como a mediação e a comunicação não-violenta, abordada por Marshall Rosenberg. Rosenberg defende que a comunicação empática pode ajudar a desescalar conflitos e impedir que eles se transformem em agressões.

O ciclo de violência e a justificativa da agressão


No ambiente doméstico, a violência frequentemente segue um ciclo que inclui três fases principais: a tensão, o ato violento e a reconciliação. Durante a fase de tensão, pequenas provocações ou divergências podem escalar, assim como no debate entre Datena e Marçal. No entanto, a fase que envolve o ato violento é aquela em que o agressor perde o controle, e aqui é importante observar o que os especialistas dizem sobre a justificação da violência.

Albert Bandura, psicólogo e teórico do comportamento humano, discute a noção de “justificação moral” para atos de agressão. Ele argumenta que, em muitos casos, os agressores utilizam narrativas que distorcem a moralidade para justificar seus atos. No caso da violência doméstica, muitas vezes o agressor culpa a vítima pelas suas ações, seja por provocações verbais, comportamentais ou outras situações, da mesma forma que Datena pode ter se sentido provocado a ponto de justificar sua reação violenta. Contudo, Bandura deixa claro que essas racionalizações são distorções da realidade, e a responsabilidade pelo ato violento é sempre do agressor, que opta por usar a força em vez de buscar outras soluções para o conflito.

A violência como escolha e o papel do autocontrole


Tanto no caso da agressão entre Datena e Marçal quanto na violência doméstica, a questão central reside no autocontrole. Walter Mischel, em seu famoso experimento sobre o “teste do marshmallow”, demonstrou que a capacidade de autocontrole é um preditor significativo de sucesso e bem-estar a longo prazo. Embora seu estudo tenha sido voltado para crianças, os princípios podem ser aplicados a adultos em situações de estresse e conflito. A incapacidade de controlar impulsos violentos, seja em um debate público ou em uma discussão conjugal, leva a consequências desastrosas para todos os envolvidos.

Na violência doméstica, esse autocontrole é ainda mais vital, pois as consequências vão muito além do momento de agressão. A vítima, muitas vezes, carrega cicatrizes emocionais e físicas que podem durar a vida inteira, como observado por autores como Judith Herman em seu livro Trauma and Recovery. Herman destaca que, em muitos casos de violência doméstica, a vítima desenvolve traumas profundos que afetam sua capacidade de confiar, de formar relacionamentos saudáveis e de lidar com a vida cotidiana.

Se olharmos para o incidente envolvendo Datena e Marçal sob essa perspectiva, podemos ver um microcosmo do que acontece dentro de muitas casas: provocações iniciais são amplificadas por falta de comunicação eficaz, até que um dos envolvidos opta pela violência. No entanto, a escolha pela violência nunca pode ser justificada como “inevitável” ou “justa”.

A violência nunca é uma resposta adequada


Nos debates sobre a violência doméstica, estudiosos como Bell Hooks argumentam que a violência é um reflexo de uma sociedade patriarcal que legitima o uso da força para resolver conflitos. Hooks sugere que precisamos romper com essas normas culturais e encontrar maneiras mais construtivas de resolver nossas diferenças. No contexto do debate entre Datena e Marçal, fica claro que o uso da violência física em resposta à provocação verbal é um reflexo dessa mesma cultura de resolver disputas através da força. No entanto, se aceitarmos que a violência é uma resposta válida às provocações, estamos perpetuando uma lógica que também justifica a violência doméstica e outras formas de agressão.

A violência, seja no espaço público ou no privado, precisa ser substituída por formas mais saudáveis de interação. Quando um casal enfrenta conflitos, é fundamental que eles busquem maneiras de se expressar de forma assertiva e respeitosa, sem recorrer a agressões. Da mesma forma, no campo político, os debates devem ser uma arena para troca de ideias, e não para demonstrações de força física.

Conclusão


O incidente envolvendo Datena e Pablo Marçal durante o debate político serve como um lembrete de que a violência, em qualquer forma, não deve ser justificada ou tolerada. Assim como na violência doméstica, a agressão física em resposta a provocações verbais demonstra uma falha no manejo de conflitos e uma incapacidade de exercer o autocontrole. Autores como Albert Bandura, Marshall Rosenberg e Judith Herman nos lembram que a violência raramente é uma resposta racional e que existem alternativas para a resolução de conflitos. No final, é responsabilidade de cada um de nós buscar essas alternativas e rejeitar a violência como forma de resolver diferenças, tanto na política quanto em nossas vidas pessoais.


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